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sᴛᴏʀɪᴀ

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RPG 2025 ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤㅤ ㅤ ㅤ 06
"E quell'orologio non girava, stava fermo sempre da mattina a sera."
P L A T A F O R M A:
RL|MÁFIA
⊱ ENTRE SABORES E SEGREDOS:
# # #
Na certidão de nascimento, ele é Francesco Anzalone. Mas ninguém jamais o chamou assim. Para todos, sempre foi Chico. Um apelido simples, quase despretensioso, dado pela mãe — uma italo-brasileira de sorriso fácil e gestos carinhosos.
Francesco nasceu em uma vila costeira da Sicília, onde o mar quebra nas pedras com a mesma força com que os segredos se quebram dentro das famílias antigas. A infância dele foi barulhenta e cheia: pais, avós, bisavós, primos, tios, todos juntos, em casas coladas umas às outras, dividindo pães, vinhos e histórias que ninguém ousava contar até o fim.
Ainda menino, encontrava refúgio na cozinha. Enquanto os adultos discutiam política, negócios ou o passado em vozes abafadas, Francesco estava ao lado das avós, mexendo molhos, provando o vinho escondido, aprendendo o ponto certo da massa fresca. A cozinha era o único lugar onde não havia perguntas — só o cheiro bom das receitas e o calor das panelas.
Sempre foi um observador. Enquanto os primos brigavam por território nas ruas ou por atenção nos jantares familiares, Francesco se mantinha calado, atento a tudo e todos. Tinha aquela calma inquietante de quem vê mais do que diz.
Aos dezoito anos, partiu. O motivo? Uma combinação de desejo e necessidade. O pai, homem de visão prática, o incentivou:
“Vá ver o mundo, Chico. Aprenda com ele. Depois você decide o que fazer.”
E assim, com uma câmera simples, uns trocados no bolso e a coragem dos que não sabem exatamente o que buscam, Francesco começou sua peregrinação.
Lisboa foi o primeiro porto. Depois, Madri, Marselha, Paris. Gravava tudo: as feiras de rua, os pratos fumegantes servidos em barracas improvisadas, os velhos cozinheiros que abriam o coração entre um copo de vinho e outro.
Em Istambul, provou café turco e doces que grudavam nos dedos como as histórias que colhiam nas vielas.
Em Berlim, entrevistou um refugiado sírio que fazia shawarma na calçada e dizia que cozinhar era a única forma de lembrar de casa.
Em Porto, ajudou um pescador a limpar peixe e depois o filmou preparando a caldeirada mais simples e saborosa que já havia provado.
Suas palavras, nos vídeos, eram poucas, mas certeiras. Ele não dourava a pílula. Se o prato era ruim, ele dizia. Se era bom, era bom porque era honesto, sem truque. E o público amou.
Francesco nunca buscou os holofotes. Mas eles o encontraram. De convidado em pequenos podcasts de gastronomia, foi parar em mesas redondas de grandes festivais culinários na Europa.
Nas entrevistas, era sempre o mesmo: olhar direto, respostas curtas, um humor ácido que arrancava risos e desconforto ao mesmo tempo.
Perguntavam sobre suas origens, e ele falava da Sicília com um brilho nostálgico nos olhos:
“Meu lugar é um pedaço de terra entre o mar e os muros velhos. Onde se aprende a cozinhar antes de aprender a escrever.”
Mas quando o assunto enveredava para a família, ele desviava com maestria.
“Ah, família italiana. É barulho, comida e confusão. O resto fica dentro de casa.”
Nunca passava disso. Nunca um detalhe a mais.
Francesco se tornou um símbolo de autenticidade na gastronomia. Um rosto bonito, de barba sempre por fazer, olhar melancólico, jeito calmo, quase desleixado. Um “bad boy da cozinha”, como diziam os artigos — embora ele nunca fizesse questão de se definir assim.
Hoje, aos trinta e três, Franceso vive entre o mundo e suas raízes.
Mora ora em Lisboa, ora em Palermo. Atua como consultor em restaurantes que querem “descomplicar” a cozinha. Grava vídeos quando tem vontade — receitas simples, conversas sobre vinho, filosofia barata regada a boa música. Foge de grandes eventos, detesta a ideia de ser “influenciador”.
Na Sicília, é respeitado, mas os velhos ainda o chamam de u picciottu — o garoto. Porque sabem que, por trás daquele sorriso leve, ele carrega algo maior.
À noite, sentado na varanda da casa antiga da família, ele fuma devagar, olhando o mar escuro.
Há coisas que ele não diz nas entrevistas, nem nos vídeos, nem nos livros de receitas.
Coisas que pertencem à família, ao sangue.
Coisas que ele protege como se protegem as receitas secretas: não se contam, não se explicam. Se vivem.
E Francesco vive. Entre o vinho e o silêncio. Entre a música que toca em seus vídeos e o eco dos corredores antigos de casa. Entre o homem que o mundo vê e o homem que só ele conhece.
⊱ O SANGUE POR TRÁS DO VINHO:
# # #
O mundo conhece Chico Anzalone como o viajante solitário, o crítico gastronômico autêntico, o homem de olhar triste e fala direta. Mas isso é só a superfície. A parte que ele permite que vejam.
A verdade pulsa em outro ritmo, mais antigo, mais sombrio.
Por trás dos vinhos, dos pratos fumegantes e das entrevistas com frases curtas, há o peso de um sobrenome que, na Sicília, não se diz em voz alta: Anzalone.
A família Anzalone é uma das mais antigas e respeitadas de Palermo, ligada há gerações aos negócios que sustentam a Cosa Nostra — tráfico, extorsão, “proteção”, contrabando. Não são aqueles que aparecem nas manchetes; são os que dão ordens nas sombras. O pai de Francesco, Don Vittorio Anzalone, é um homem de presença discreta e comando absoluto. Um patriarca que entende que o poder verdadeiro é silencioso e invisível.
Foi o próprio Vittorio quem mandou Chico viajar aos dezoito. Não apenas por desejo de que o filho conhecesse o mundo, mas porque Francesco precisava aprender a observar, a entender, a calcular sem pressa.
“Vai, meu filho. Aprende. Um dia, você volta. E quando voltar, vai ser o homem que a família precisa.”
Francesco voltou à Sicília aos vinte e cinco. Não porque o sucesso no YouTube o cansou. Não porque as viagens perderam o encanto. Mas porque o chamado da família não se ignora.
Quando cruzou novamente os portões da velha propriedade, já não era mais o menino da cozinha. Era um homem com olhar endurecido, que aprendeu a ler as intenções nos olhos dos outros, que sabia o valor do silêncio e da espera.
Na estrutura da máfia, Francesco logo se tornou essencial. O carisma melancólico e a calma quase poética escondiam uma frieza que poucos ousavam testar.
Nos encontros com rivais, ele era o primeiro a oferecer vinho. O último a levantar a voz. Mas, quando a decisão precisava ser tomada, era implacável.
Tomava partido da família sem hesitar. Se precisava eliminar um traidor, o fazia com precisão cirúrgica. Nada de explosões espalhafatosas ou tiroteios caóticos. A marca de Francesco era a eficiência e o controle. Um acidente bem arquitetado, uma dívida cobrada no momento certo, uma conversa que terminava com o adversário concordando — ou desaparecendo.
Francesco aprendeu com o pai e os avôs que poder não é ruído. É presença.
Por fora: o consultor de restaurantes, o viajante, o homem do vinho e da música.
Por dentro: o estrategista, o juiz, o executor.
Ele raramente levanta a voz. Não há necessidade. Sua calma desconcerta. O sorriso discreto intimida mais que um grito. Há quem diga que seus olhos, quando se fixam nos seus, são como lâminas — cortam antes de encostar.
Entre os homens da família, Francesco é o mais respeitado entre os mais jovens. O que sabe decidir sem vacilar. O que protege os seus como um leão protege os filhotes: feroz, impiedoso com quem ousa ameaçar o ninho.
Sob o comando de Don Vittorio e agora com Francesco como braço direito, a família Anzalone mantém o controle sobre portos, estaleiros, e o fluxo de mercadorias “alternativas” que entram e saem da Sicília.
Ninguém se move sem que eles saibam. Ninguém sobe sem pagar o preço.
As noites na velha propriedade são marcadas por reuniões discretas, onde Chico ouve mais do que fala, traça os próximos passos, decide destinos.
Na vila, o nome Anzalone é sussurrado com respeito e medo. Os comerciantes locais “agradecem” a proteção. Os políticos fazem vista grossa em troca de favores que se acumulam como dívidas impagáveis.
Às vezes, ao fim de um dia pesado, Chico caminha até o mar. Acende um cigarro, encosta na mureta de pedra e observa o horizonte. Não há culpa no que faz. Para ele, proteger a família é um ato de amor. A violência é apenas uma das ferramentas. O mar leva os segredos, assim como leva os barcos. E ele sabe: no final, todos são parte de um ciclo maior.
Um Anzalone não perdoa traições.
Não divide o que é da família.
Não tolera ameaças.
Para os inimigos, é o pior tipo de adversário: aquele que age quando ninguém espera.
Para os seus, é abrigo seguro.
Por fora, Francesco continua a ser o homem das receitas simples e do vinho bom. Por dentro, é o herdeiro de uma dinastia silenciosa que rege Palermo há décadas.
Entre o prato e a pistola, entre o vinho e o veneno, entre o charme e a morte, Francesco é o equilíbrio perfeito.