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Deadman's Gun


06 DE JUNHO DE 1944



“Em tempos de paz, choramos os mortos.
Em tempos de guerra, choramos os vivos.”
 

Naquela manhã, finalmente, o horizonte se abriu diante dos nossos olhos. Dependíamos de uma única previsão do tempo que, por algum milagre, nos ajudou sendo certeira após tantos dias falhos. Apesar do dia nublado e do mar revolto, a chuva havia nos dado uma trégua e podíamos enxergar a praia. Lá, ainda distante, se encontrava Omaha, o nosso inferno feito de areia e água salgada. Não sentíamos entusiasmo, pelo contrário, a tensão, ali entre nós, era uma presença constante e quase palpável, sufocando o nosso patriotismo dentro do peito. Pela honra e pela glória, tínhamos aceitado aquela missão. Pela honra e pela glória, morreríamos naquela manhã... E eu entendi isso logo que nos serviram o café, quebrando o jejum matinal. Na cantina, nos esperando, estavam bandejas recheadas, com direito a bacon e linguiça, ovos mexidos e sobremesa, uma refeição digna da última; um agrado oferecido pelo Estado em agradecimento ao nosso suicídio cheio de um propósito nobre.

Após a fartura, seguimos para nossos botes Higgins com aproximadamente cinquenta quilos extras de equipamentos presos em nossos corpos. Era chegada a hora e a Operação Overlord entrava em ação; cada mínimo detalhe pensado para dar certo, no entanto, tendo tudo para dar errado. Com as ondas de quase dois metros de altura, os botes chacoalhavam muito, revirando todos os estômagos cheios. A sensação de náusea forte e vômitos não demorou para chegar, transformando os soldados em meninos adoentados que lamentavam a atual condição incapacitante. Para minha sorte, tinha amanhecido sem apetite e comido apenas uma pequena barra de chocolate.

Conforme nos aproximávamos da arrebentação, as ondas se tornavam ainda mais fortes. Abaixados dentro dos botes, nosso suor de ansiedade se misturava ao sal do mar e ao vômito de tantos irmãos. Vindo em nossa direção, o fogo inimigo incessante das metralhadoras mais mortais do planeta. Instaladas em casamatas no alto das colinas, em posições que fortificavam as praias, as impiedosas MG 42 eram conhecidas como as “serras elétricas de Hitler” justamente porque “cortavam” fileiras inteiras de soldados em questão de segundos. Essas metralhadoras eram muito superiores às nossas armas, portanto, tão temidas; e apesar de todo pavor, ainda que tivéssemos medo da morte, não demonstrávamos. O medo é como veneno no combate. É algo que todos sentíamos, mas não mostrávamos. Você não pode. É destrutivo e contagioso.

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ـــــــــــــ a guerra é o inferno que aprendemos a chamar de dever ـــــــــــــ

LEON  SCOTT  KENNEDY

WORLD WAR II, DIARY